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domingo, 28 de março de 2010

A palavra, antes de tudo, um dom

A palavra, uma herança


No princípio eram trevas sobre a face do abismo; e o espírito de Deus movia-se sobre ele.

Num determinado momento do nada, Deus, abrindo a sua boca falou: “haja luz” e houve luz. E numa seqüência de palavras de ordem: “faça-se”, “haja” e “produza”, em sete dias, Criou Deus o universo e tudo que nele há. Podemos dizer, que nesse fenômeno sobrenatural, narrado na Bíblia, houve uma espécie de transubstanciação da vontade e do poder de Deus em suas próprias palavras. A palavra foi ali, o veículo condutor da vontade Divina. Se o Criador não tivesse ordenado, talvez o universo não se tivesse criado.

Continuando sua construção, no sexto dia, disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. E tomando do pó da terra, com suas próprias mãos moldou o homem e soprou em suas narinas o sopro da vida. Veja-se que, diferentemente do que fizera quanto a todas as outras coisas e animais, Deus não ordenou que se fizesse o homem, pessoalmente o fez.

Hermeneuticamente falando, este fato tem uma importância suprema: o homem não foi criado com uma palavra, ainda que do Senhor do Universo, mas representou um trabalho de criação das próprias mãos de Deus. Poderia Deus ter ordenado que se fizesse o homem? Acreditamos que sim, entretanto e nesse caso, o homem seria mais um ser vivo sobre a face da terra.

Ser mais um animal do universo, certamente não foi o destino traçado por Deus ao criar sua obra mais preciosa. A expressão: “à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” deve ser interpretada sob uma ótica suprema, divina, considerando-se não só a semelhança física, mas principalmente a semelhança espiritual; o ser humano como portador de certa essência, certa identidade com o pai; algum resquício que seja, do poder divino. Justifica-se assim, a ascendência humana sobre todos os outros animais, seu raciocínio e inteligência, sua capacidade de falar e seu destino final para junto do criador.

Temos a convicção de que, concedeu Deus ao homem, de forma intrínseca, imanente em seu ser, ainda que minúscula, partícula de poder possível de exteriorizar-se através da palavra. Diríamos que a palavra possui, de forma imanente, um poder inimaginável, capaz de realizar maravilhas. A Bíblia Sagrada e até a História Universal, mostram inumeráveis exemplos de fatos extraordinários realizados pelo ser humano através da palavra.

No Velho Testamento Josué, um dos Juízes do povo de Israel, mandou que o sol e a lua se detivessem e o sol e a lua se detiveram; Cristo, diante do túmulo de Lázaro, que há vários dias havia morrido, ordenou que ele saísse e ele saiu, ressuscitando dos mortos.

Não é incomum, mesmo nos dias atuais, termos notícias de curas de pessoas, ocorridas através das orações, tudo a depender da fé, esta que representa o elo de ligação do homem com o seu criador, como se fora uma senha dada por Deus a cada um dos seus filhos. Não uma senha exata, objetiva, mas uma senha subjetiva, proporcional ao desenvolvimento ou ao dom espiritual dado a cada um. Como disse Cristo:

Porque em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: passa daqui para acolá, e há de passar; e nada vos será impossível.

Uma ferramenta a serviço da humanidade

A palavra, como veículo de comunicação das pessoas, possui outros atributos, que talvez não tenham relação direta com a divindade. Quem sabe, nesse caso, nem se devesse falar em poder mas em força, porque, na escala de valores está infinitamente abaixo daquele acima mencionado. Aqui se deve falar em poder de convencimento, que se dá pela razão, pela sabedoria, pelo conhecimento, pela eloqüência.

A palavra, além do atributo de veículo disseminador da cultura, do conhecimento, das ciências, das artes, da música, é usada como poderosa ferramenta de trabalho de pessoas de ambos os sexos, cuja profissão, da palavra dependem quase que exclusivamente. Exemplificamos os advogados, o tribunos, os atores, os magistrados, os diplomatas, os professores e muitos outros, em número quase infinito de profissões.

Sobre a força da palavra, assim se expressou Rui Barbosa:

“A palavra, numa atmosfera eletrizada, adquire estranha sonoridade, lampeja, deflagra, atroa, fulmina. Com uma influência crescente se improvisam e distribuem os meios de propaganda. A corrente sangüínea se acelera. O pulso cresce, rijo e quente. É a febre das batalhas da opinião”.

Em outra oportunidade, mais ou menos assim, expressou-se o mesmo mestre:

A palavra é como um rio caudaloso que desce tranqüilamente em seu leito. Quando represado avoluma-se, agiganta-se e vai contra o anteparo vencendo-o e num ronco ensurdecedor precipita-se sobre o desfiladeiro, indo acalmar-se logo mais abaixo num remanso.

A palavra e a arte

A palavra é ainda, como já enfatizamos, veículo das artes teatrais, da música, da poesia. Através palavra o poeta canta e decanta o amor, as virtudes da pessoa amada, a felicidade, a tristeza e até a dor que lacera seu coração. Pela arte da palavra alegram, aliviam, acalentam e reconfortam milhares de outras pessoas.

Eis um exemplo do dom da palavra, em um trecho da nossa música popular:

Não sei, não sabe ninguém, porque canto fado, nesse tom magoado de dor e de pranto e nesse tormento, todo o sofrimento que sinto na alma, cá dentro se acalma nos versos que canto.

Se canto, não sei o que canto, misto de ventura, saudade, ternura ou talvez o amor. Só sei que cantando, sinto mesmo quando, se tenho um desgosto e o pranto no rosto me deixa melhor.

Foi Deus que deu voz ao vento, luz ao firmamento e pôs o azul nas ondas do mar.

Foi Deus, que me pôs no peito um rosário de penas, que vou desfiando e choro a cantar. Fez poeta o rouxinol, pôs no campo o alecrim, deu flores à primavera, ai! Deu-me, essa voz a mim.

Palavra, bênção e malefício

A palavra possui duas facetas diametralmente opostas, dois atributos antagônicos: tem um lado benéfico que educa, constrói, admoesta, anima, salva e cura. A palavra pode curar. Há porém outro lado, que é deletérico, tem um poder destruidor, condutor do ódio, da discórdia e da mentira, que pode dilacerar, dissentir e até matar. A palavra pode matar.

Ah se pudéssemos utilizar em nossas palavras, sempre o atributo benéfico. Se o equilíbrio, a sabedoria, a veracidade, a fraternalidade e a amabilidade fossem o lugar-comum em nossas comunicações diárias; se pudéssemos transubstanciar para as nossas palavras, ainda que pequenas partículas do poder que temos e finalmente, se pudéssemos utilizar alguns, dos infinitos dígitos daquela nossa senha divina, podíamos operar maravilhas.

Cremos que isso poderá ser possível um dia. Enquanto isso não acontece, que tal se começássemos a treinar? Por exemplo, de forma simples: nos nossos relacionamentos habituais – “bom dia”, “boa tarde”, “felicidades em seu casamento”, “feliz aniversário”, “feliz natal” “bom final de semana”, “boa viagem” “até logo”, etc., sejam portadores do nosso desejo sincero, do nosso sentimento verdadeiro e da nossa fé transfundidos em palavras. Veremos que nosso desejo se transformará em realidade.

Nossas cicatrizes e as cicatrizes que causamos

Dizem que as palavras são como o vento que se vai, assim como vem. Lembremo-nos que o vento que vai e vem, tanto pode trazer o frescor das manhãs ou a chuva que rega a vegetação, como causar a erosão e a destruição. A brisa refresca, a tempestade destrói. As palavras também, quando bem usadas produzem a paz, a harmonia, a felicidade e o conforto. Se mal proferidas deixam cicatrizes profundas e indeléveis no coração das pessoas.

Com o advento da Psiquiatria, da Psicanálise e mais recentemente, da Hipnose, descobriu-se que a origem de muitos problemas emocionais são traumas produzidos por terríveis palavras proferidas por alguém, às vezes em tempos imemoriais que, como ferro em brasa, deixaram, para sempre, sua marca, causando desajustamentos sociais, a loucura e até a morte.

É possível que inadvertidamente, por ignorância ou até por brincadeira, tenhamos causado feridas profundas e ainda incuradas em muitas pessoas a quem queremos bem ou até nem queiramos mal nem bem. Impõe que policiemos nossas palavras, para não ferir a suscetibilidade dos nossos semelhantes.

Por isso, ao desempenharmos nossos misteres, seja em trabalhos de rotina; no atendimento ao público; na tribuna, em defesa do nosso constituinte; no relacionamento com nossos familiares ou colegas de trabalho, lembremos sempre das palavras de Domingos Paschoal Cegalla, eminente gramático, em seu poema “A Palavra”:

As palavras dormem nos jardins do sonho, como sidéricas jazidas no regaço dos morros. Desperta-as e faze com elas não armas mortíferas, instrumentos de dor, mas cordas de harpas, que o brando vento vibre Cantando canções de amor.


Esse texto foi produzido pelo meu gatíssimo paizinho (com adaptações): Valdemir Fonseca Vales

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